A Praia do Rosa, em Imbituba (SC), tem cerca de 3 km de faixa de areia entre dois costões.
Estava andando com um casal de amigos pela trilha da ponta sul, que leva até a Praia do Luz, vizinha, um caminho bonito que corre ora contornando o morro, com o mar ao lado, ora morro adentro, entre a vegetação de restinga.
Olhei para o lado e dei com um arbusto familiar: baixo, ramificado, folhas rugosas de uns 10 cm no máximo. Arranquei uma e botei perto do nariz: era ela mesma.
- Cheira aqui, não lembra canja?
A erva-baleeira (Cordia verbenacea) é nativa da Mata Atlântica e cresce pelo litoral brasileiro. Dá flores brancas em cachinhos compridos e frutos vermelhos miúdos que são comidos pelos pássaros. É tradicionalmente usada na medicina popular dos caiçaras como cicatrizante e anti-inflamatório para artrite, contusões e dores musculares (hoje é fácil achar pomada feita com ela para vender).
Também é chamada de maria-milagrosa, catinga-de-barão (genial) e cheiro-de-tempero – picada num refogado, deixa um gosto de caldo de frango (sem glutamato monossódico).
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Plant blindness é um termo que se refere à inabilidade reconhecer plantas no ambiente ao redor. Foi criado por dois botânicos americanos em um artigo de 1998 em que eles discutem que, com o crescimento das cidades e das populações urbanas, muitas pessoas passaram a ignorar as plantas e não enxergar sua importância.
Diferente dos animais, mais presentes no nosso imaginário, é como se as plantas tivessem se tornado passíveis de desprezo. Um mero acessório da paisagem, cujos nomes e características não somos ensinados e nem procuramos saber.
Porque, nas Grandes Cidades, cinzentas e inorgânicas, é muito fácil se distanciar do entendimento do que nos mantém vivos. Como se ar comida remédio abrigo tecido e todo equilíbrio vital não dependessem delas, as plantas.
Mas tem outras razões também: culturalmente, animais são considerados mais interessantes e geram mais empatia, até por apresentarem comportamentos e feições mais parecidas com as nossas. E, pelas plantas terem cores parecidas e ficarem paradas, o mecanismo de diferenciação do cérebro tende a agrupá-las.
É tudo mato.
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Segui a caminhada com uma alegriazinha, um orgulhozinho besta.
Um ano atrás, eu não sabia o nome da erva, quanto mais identificá-la em um ambiente natural.
Lembrei do guia que me conduziu no PETAR ano passado e me apresentou tantas plantas, como o pau-d'alho, o coco-de-espinho e o jatobá.
Saber o nome é trazer à existência.
Entendo a coisa do aglomerado de verde, claro, mas também desconfio dos olhos urbanos: é só reparar em gente que vive em áreas rurais próximas de vegetações nativas (sua avó, talvez): há uma relação muito mais íntima com as plantas, e informações são sobre como são, do que gostam, para que são usadas e onde dão são compartilhadas entre os saberes do dia a dia.
Não é tudo mato.
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Uma tendência que se viu em cidades mundo afora nos últimos anos é ter um ~urban jugle, ou seja, encher o apartamento de plantas.
Com ela, claro, todo um comércio: proliferaram-se lojas-gourmet de plantas, hortinhas de temperos vendidas em caixas charmosas, influenciadores com canais no Youtube mostrando as plantas da moda e ensinando a acabar com as (malditas) cochonilhas.
Criou-se até o discutível termo “pais de plantas”.
A maioria das matérias que eu li dedicadas ao tema fala da vontade de trazer a natureza para dentro de casa e os benefícios e o bem-estar e as boas energias e a lindeza das plantas e que terapêutico que é cuidar delas.
Mas eu acho que também tem algo meio distorcido aí: e as plantas lá fora, para além da nossa propriedadezinha, quem está cuidando?
(escrevo isso enquanto olho para a minha Pilea peperomioides e minha Begonia maculata em cima do aparador da sala).
Fora essa capitalização toda, principalmente em relação às plantas raras: essa reportagem conta como plantas que foram quase extintas de seus habitats por causa da extração predatória e do contrabando abundam em posts de colecionadores e vendedores, que as oferecem por valores que chegam à casa dos R$ 150 mil.
Te amo Pilea, mas, enquanto militância, me parece muito mais promissora essa galera fazendo jardinagem de guerrilha e plantando feijão, taioba e batata-doce sem autorização em canteiros e terrenos baldios de São Paulo.
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A pesquisa “Juventudes, Meio Ambiente e Mudanças Climáticas”, divulgada em abril, ouviu 5.150 pessoas com idades entre 15 e 29 anos, provenientes de classes sociais e níveis de escolaridade diferentes (40% com ensino superior ou pós-graduação completos) em todas as regiões do Brasil.
36% dos jovens respondentes não souberam identificar o bioma em que vivem.
“Mesmo entre aqueles que indicaram saber o bioma, percebeu-se algumas confusões: pessoas do Sudeste e Sul que acham que moram na Amazônia ou na Caatinga, ou jovens do Nordeste que acreditam viver no Pampa, por exemplo”, diz um trecho da pesquisa.
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Finalmente testei esses aplicativos de identificar plantas, tipo um Shazam da flora: você tira uma foto de uma folha, fruta, flor ou casca de árvore e a inteligência artificial te diz o nome.
Baixei uns três, o que funcionou melhor foi o LeafSnap.
Comecei com plantas que eu conhecia para testar se o negócio tava afiado: pitangueira, acertou, hibisco, ok. Caramboleira não identificou pelas folhas, só pela fruta (aí é fácil, né, robô).
Apontei para as plantas do quintal da minha mãe: descobri uma dracena, uma areca-bambu e uma tumbérgia.
Plantas para as quais olhei por pelo menos 18 anos em que morei ali e não sabia o nome.
Engraçado o efeito que isso teve: passei a encará-las diferente. Agora eu entendia quem eram e onde cresciam originalmente.
Foi tipo finalmente conhecer melhor uma pessoa com a qual se convive superficialmente há anos, mas não sabe nada sobre, por impaciência, desinteresse ou por, em algum lugar, inconsciente talvez, se achar superior a ela.
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Minha irmã trabalhou em uma escola de classe média-alta em São Paulo durante um tempo.
Um bloco vertical fabril em uma avenida movimentada. Muitas telas e programas de intercâmbio, mas o intervalo os alunos passavam em um pátio e uma quadra de concreto.
No canto, um vaso solitário com uma única planta (nome desconhecido). Todos os dias, ela (minha irmã) observava um punhado de alunos se empoleirar ao redor dela (a planta). Queriam tocar na terra e nas folhas, analisar os insetos que pousavam.
Para a maioria delas (as crianças), a natureza é quase uma abstração.
Um dos problemas levantados pelos botânicos que criaram o conceito de plant blindness é que essa alienação em relação às plantas, inclusive na educação, está ligada à falta de engajamento na preservação ambiental.
Como diz o Richard Louv, pesquisador americano que eu citei quando falei de déficit de natureza: não tem como proteger algo que não amamos, e não tem como amar o que não conhecemos.
Orquídeas malucas que parecem macacos, lábios e bebês (como pode isso, gente)
“Krenak deu o exemplo do beija-flor que apaga incêndios carregando apenas uma gotinha d’água no bico como metáfora para experimentar aberturas de tempo no cotidiano” - Krenak é meu pastor
Quero encher minha casa com esses adesivos de passarinho
São muito úteis as dicas para se tornar vegana da ativista Sandra Papacapim
Essa sopa de lentilha com curry e leite de coco é a melhor (sopa) que eu já fiz (adicionei caldo de legumes caseiro, couve e tomate pelado de lata)
Semana passada conheci a nova Pina Contemporânea, em SP, que beleza
Outra beleza é o perfil e as matérias da revista americana Atmos, sobre crise climática e cultura
Esse episódio do podcast Ciência Suja sobre hipermedicalização das mentes é importantíssimo
Gostei bastante do filme Minari: Em Busca da Felicidade (na Amazon Prime e na Apple TV), uma crítica à porra do sonho americano
A news passada rendeu um post no Summer Hunter
Até mais,