“Fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra. Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza". Ailton Krenak
Déficit de natureza é um termo não-científico cunhado por um pesquisador americano chamado Richard Louv, autor de A Última Criança na Natureza.
No livro, ele reúne pesquisas e argumentos para mostrar que o ser humano precisa de experiências na natureza para se desenvolver integralmente e mostra como a escassez de áreas verdes e o excesso telas e de ambientes emparedados está prejudicando crianças em grandes centros urbanos. Aliás, ele falou no maravilhoso documentário O Começo da Vida 2 - Lá Fora, que está na Netflix.
Ano passado escrevi uma matéria sobre o tema e me deu uma tristeza enorme. Ficou claro como a falta de vivência ao ar livre prejudica o corpo, a criatividade, o sono, o aprendizado e, pior, como me disse uma pediatra, o próprio amor à vida.
Há pesquisas que relacionam aumento de ansiedade, depressão, agressividade, hiperatividade, déficit de atenção e outros problemas em crianças e adolescentes com a carência de “vitamina N” (de natureza, mesmo).
E é óbvio que isso também atinge os adultos. Achei muito louco que uma das pesquisadoras que eu entrevistei me contou, por exemplo, que nos workshops e excursões que ela organiza com famílias, ela precisa ensinar os pais a estarem na natureza (para eles poderem passar isso para os filhos). Ela mostra como reparar nas plantas, pisar na terra, olhar para o céu, ouvir os pássaros, as coisas mais banais. Coisas que, pelo visto, a gente esqueceu (ou, dependendo de quão enclausurada foi a infância, nunca aprendeu).
Ou seja, muitas vezes, mesmo com acesso à natureza, não a frequentamos. Tiramos fotos do pôr do sol mas não sabemos contemplá-lo. Olhamos para a natureza sem senti-la, sem enxergá-la.
Todo o pessoal que fala sobre isso parte de um pressuposto simples: nós somos natureza, viemos dela, é nosso ambiente originário. Não importa o quanto você diga que é urbano, que odeia lidar com insetos, que gosta de shopping. A gente tem uma relação visceral com a natureza que, se for negada, deixa a vida mais pálida, mais insossa, mais doente. Tanto é que existe até um negócio chamado “terapia florestal”, que propõe a recuperação do bem-estar simplesmente através da conexão com elementos naturais.
Engraçado pensar que eu mesma já reproduzi, em algum momento, esse discurso do “sou urbana”. Mas, depois do meu semisabático em que me revirei do avesso, eu passei a buscar tempo na natureza de modo quase obsessivo, desesperado (talvez você, paulistano, já tenha me visto abraçando uma árvore na Av. Sumaré).
Acho que, quanto mais a gente se interioriza e se autoinvestiga, mais a gente entende da onde veio, e mais quer ficar por lá. A cidade, ainda que me fascine em muitos aspectos, começou a me parecer barulhenta demais, hostil demais. E passei – com o privilégio que tenho de poder fazer isso – a sair correndo em toda oportunidade, para um parque, uma trilha, uma praia qualquer. É o que me equilibra, me recarrega, me traz prazer.
É claro que a ideia do pessoal ativista desse movimento é ter cidades mais arborizadas, principalmente as periferias, as áreas que mais sofrem com a falta de verde – tem estudos que relacionam diretamente a quantidade de árvores nos bairros à qualidade de vida dos moradores. O documentário que citei acima mostra projetos diversos feitos dentro de favelas, por exemplo, para trazer um pouco de natureza para a vida dos moradores.
Hoje eu sinto que não tem como ter saúde mental e tesão pela vida sem natureza. E, se tem alguma chance de a gente salvar o planeta dessa merda toda atual, isso passa por se reentender como parte da natureza e tentar se reaproximar dela. Justamente um dos questionamentos do documentário é: como vamos criar crianças que queiram preservar a natureza se elas não aprendem a amá-la? E como a gente adulto vai fazer isso se não nutre essa conexão?
É bom saber que, mesmo que você tenha pouca familiaridade com a natureza, ela sempre faz bem. Mesma que a mente não entenda, o corpo e alma sabem. Se você tiver a sorte de poder pensar em autocuidado e acesso a alguma área verde, nem que seja o gramadinho da praça, comece por ali.
Jaider Esbell (1979-2021)
Escrevo aqui em 31 desse janeiro que foi longo. E deixo aqui uma proposta de exercício para esse ano: abrir um docs, intitular 2022 e, no último dia de cada mês, despejar um resumo ali do que rolou nesse período, que pode ser absolutamente desorganizado, em itens, em frases soltas. O que você fez, o que viu/leu/ouviu, com quem falou, onde foi, como se sentiu. Anotar o que fluiu, o que te desafiou.
Vislumbrar o que passou ajuda a sair daquela sensação da vida nos engolindo e faz entender como usamos nosso tempo, da onde viemos e para onde estamos indo. E também a perceber que não precisa categorizar constantemente o que acontece entre bom e ruim porque tem bom dentro do ruim e ruim dentro do bom e mil nuances entre eles e a vida acontece no meio disso, mesmo.
Essa e outras fotos loucas da primeira lua cheia do ano
- Tá tendo covid mas não custa sonhar então compartilho aqui minha listinha de viagens que eu gostaria de fazer quando for sendo possível: Floripa (SC) de cabo a rabo, um rolê na Serra do Cipó (MG), uma temporada na Chapada dos Veadeiros (GO), outra em Serra Grande e Itacaré (BA). Ver umas praias que não conheço em Ubatuba, ir ao Saco do Mamanguá e à Ilha do Cardoso. Sendo mais ambiciosa, queria conhecer o Parque Nacional do Caparaó (MG), passar um tempo na Amazônia e fazer a travessia do Vale do Pati (BA).
- Tive covid então assisti um monte de coisa esse mês. Como muita gente, gostei bastante do filme A Filha Perdida (na Netflix), baseado no livro da Elena Ferrante, que tem reflexões bonitas e incômodas sobre maternidade (e sobre como vivemos a maternidade nesse sistema individualista que isola as pessoas). Também amei a série Insecure (na HBOmax), muito elogiada pela representatividade, sobre duas amigas negras que moram em Los Angeles. E a série documental O Canto Livre de Nara Leão (na Globoplay) é ótima para conhecer a figura incrível que foi essa mulher que participou de alguns dos movimentos mais importantes da música brasileira.
- Rapidinhas: Christian Dunker e as nuances da depressão aqui. A relação entre doenças de pele e as emoções. A saga de uma brasileira que foi de Roraima à Colômbia para fazer um aborto legal. O site Como eu escrevo, em que escritores e acadêmicos compartilham seu processo de escrita. Cozinhas Solidárias, um projeto para virar doador recorrente. Central de Astrologia, um podcast semanal da Madame Brona. Natalia Lafourcade, uma cantora linda para se conhecer.
Acredite no seu axé. Por Isaac Silva