Outro dia li uma matéria gringa cuja autora contava que, ao tentar se disciplinar para meditar todo dia, sentia que acabava adicionando mais uma tarefa na já puxada listinha diária, algo com o mesmo peso de ir ao mercado e pagar a conta de luz.
Achei engraçado porque, a meu ver, a meditação é uma antítese disso: não faz parte do campo do “fazer”, e sim do “parar”.
Mas entendo que dá para considerar o ato de sentar para meditar como uma coisa pra fazer.
Por isso eu hoje talvez comparasse meditação mais com, sei lá, escovar os dentes. É necessário para a manutenção da minha saúde e já está assentado como hábito. De forma que, em certa medida, não é mais contestável e nem penoso (o que ainda não conquistei com passar fio dental todo dia, infelizmente).
Ao mesmo tempo, meditar não tem nada a ver com escovar os dentes.
Eu já li uma montanha de livros e fiz toda uma gama de cursos de meditação. Já me botei em um workshop de três dias com um guru indiano em São Paulo, cumpri alguns planos de aplicativos de “aprenda a meditar em x semanas”, fiz aulas no centro da Monja Cohen, passei uma temporada no Sudeste Asiático correndo atrás de experiências do tipo (chamavam para meditar com os monges às 4h da manhã, eu ia) e fiquei dez dias sem falar no retiro Vipassana.
Depois de anos (anos, mesmo), sinto que finalmente consegui inserir a meditação nos meus dias.
Olhando agora, o que acabou funcionando, apesar de todo rigor que me propuseram nesses cursos, foi desengessar a meditação.
Eu medito toda manhã antes do café, mas não pela mesma quantidade de tempo (já cheguei a 30 min, agora tenho feito 10, 15). Às vezes, tô numa vibe mais mística, queimo uma sálvia, boto uns mantras pra tocar. Em outras, uso uma meditação guiada. Às vezes vou ao canto da casa que eu delimitei para isso, em outras fico na cama ou desço para o jardinzinho do prédio.
Quase sempre faço um pouco de yoga primeiro (uma das dicas mais valiosas que me deram nesse processo: botar o corpo para “meditar” ajuda a amansar a mente). Às vezes até danço um pouco.
Também saí da ilusão de que é possível passar muito tempo imperturbada pela presunção dos pensamentos. No fim das contas, meditação tem muito mais a ver com um ir e vir entre a distração e a concentração, de novo, de novo e de novo.
Não chega um momento em que a cabeça para. Mas decorrem alguns instantes em que percebo os pensamentos vindo e simplesmente não embarco. Aquela coisa de observá-los de fora, como se fossem um trem passando na estrada, ou nuvens voando no céu.
Aprender a meditar certamente não segue a lógica de básico-intermediário-avançado, em que se fica necessariamente melhor à medida que se pratica. Eu tirei de mim mesma a cobrança de autoaprimoramento nesse sentido. Só medito e pronto, do jeito que rolar, sem pressão nem julgamento.
E a prática pelo menos fortalece o hábito de se propor a meditar (algo que provavelmente requereria menos esforço se tivéssemos uma cultura que nos botasse pra fazer isso desde cedo), e vai criando mais familiaridade com o ato em si.
Para mim a meditação se tornou um exercício de centramento: um momento que eu tiro para respirar com mais qualidade e recolher minhas partes esparramadas por aí. Um período reservado para ouvir meu silêncio, ainda que às vezes tudo esteja tão ruidoso.
Um espaço para me conectar com minhas entranhas e com o fio invisível a vida para me orientar nesse planeta tão desbaratinado. Que me faz perceber que, não importa o que esteja acontecendo, é possível descomprimir. E é possível conviver.
Acho que hoje é comum que muita gente busque a meditação por causa do discurso corporativo do tipo “pesquisas mostram que reduz o estresse e aumenta a produtividade”.
Mas mas me parece que essa abordagem limita seu potencial e, para todos os efeitos, a deixa com mais cara de tarefa.
Eu prefiro encarar a meditação – uma prática que tá escrita em livros sagrados de mais 5 mil anos, gosto de lembrar –, com mais curiosidade.
Porque ela pode ser um impulso para descobrir mais sobre a natureza da vida. Uma aulinha sobre impermanência, movimento e finitude, sobre se tornar observador de si e se descolar do que tanto nos apegamos para, quem sabe, obter um pouco mais de perspectiva.
1- 🧡
2- Eu sempre ouvia o fofinho do Thich Nhat Hanh, monge vietnamita muito pop no universo ocidental de ~meditadores, falar de “smile yoga”, ideia segundo a qual o ato de sorrir propositalmente melhora o humor – afinal, se sorrimos quando estamos felizes, podemos “incentivar” a felicidade sorrindo. E agora um estudo confirmou que isso de fato acontece.
3- Chorei com esses vídeos de povos originários de ilhas que podem desaparecer com a subida do nível do mar pedindo atitudes dos países ricos na COP27.
4- Depois da injeção de esperança com o resultado das eleições, deu para respirar fundo e maratonar o podcast Projeto Querino, da Rádio Novelo, um dos melhores que já ouvi (botei durante uma longa viagem de carro). Em 8 episódios, ele explica a história do Brasil da perspectiva das pessoas negras. É revelador, revoltante e emocionante, pra dizer o mínimo.
5- Minha leitura em curso esse mês é Escute as Feras, de Nastassja Martin, uma antropóloga francesa que foi atacada por um urso na Sibéria e renasceu. Ela falou sobre o livro em uma mesa na Flip fim de semana passando junto da Tamara Klink (dá para assistir aqui).
6- “Não tem como separar a razão da emoção. Mesmo quando você pensa que está fazendo isso, na verdade não está.”
Interessante essa entrevista com um físico fodão que escreveu um livro sobre as emoções.
7- Recomendo que elevem o espírito assistindo ao último show do Milton no Mineirão, que está na íntegra no Globoplay.
8- Para quem está migrando para cosméticos naturais e veganos, o perfil da jornalista Nyle Ferreira é um guia. Ela recomenda produtos específicos, sempre com opções econômicas (o destaque “marcas” é bem esclarecedor).
9- Minha compra de black friday foi mais um biquíni da Cosmo, de produção responsável, tecido biodegradável e modelos para corpos “reais”. Foi o primeiro biquíni que eu botei na vida que não me fez sentir que só me serviria bem se eu pesasse 10 kg a menos. E que não sai do lugar quando a onda vem.
10- Tenho tido manhãs mais felizes por causa desse singelo mingau de aveia.
até mais,
Betina
Te entendo. Também convivo com a meditação há um longo tempo. Mas ela só ganhou constância quando passei a praticá-la não conforme agendamento, mas pela própria necessidade.
A verdade é que a meditação clama por nós em vários momentos do dia. É só darmos mole a ela em algum deles. Kkkk E eles sempre aparecem. Eu já acordo com ela me chamando! Ela nós quer!
Enfim, adorei esbarrar nas suas palavras hj. Aqui, nesse aeroporto. esperando para voar. Espero ler mais.
Estou exatamente nessa encruzilhada sobre a qual você escreveu.
Consegui meditar por uns 90 dias todos os dias e parei quando voltei a fazer musculação. Simplesmente não "combinava" treinar e depois ir meditar. Tentei fazer antes, mas a "good vibes" da meditação meio que ia embora.
Sinto que os músculos ao se tensionarem, também tensionam a mente. É meio estranho, mas pra mim é tudo uma coisa só. Já vi também que ficar sem meditar é igual ficar sem escovar os dentes, e a consequência de parar no meu caso é ansiedade - o que é péssimo.
Talvez simplificar o processo resolva ! Obrigado pela sugestão