14 de outubro, sábado, eclipse no eixo Áries – Libra. “Os eclipses mexem em um arquétipo muito ancestral: o receio do ocultamento da luz. No sentido de que, se a gente vive uma regularidade da segurança e da esperança da renovação do dia para a noite, da noite para o dia, os eclipses entram em uma espécie de figuração da possibilidade de que essa constância venha a se quebrar, se partir. E isso tem a ver com os acontecimentos astrológicos que um eclipse tende a produzir nas vidas humanas. Esse eclipse, por ser de nodo sul, pode estar relacionado com deixar algo pra trás. Como Plutão está envolvido, coisas ocultas podem vir a ser reveladas – os acontecimentos de Plutão, porém, não são necessariamente disruptivos, inesperados: pode ser uma erupção daquilo que você já pode entrar contatod. É um pouco como aquela música do Caetano, ‘e todo fim de mundo é tudo que já está no ar’”, disse a minha astróloga-referência do momento, Julia Hansen.
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Saí andando para desanuviar na manhã nublada. Dei desavisada com a exposição Ana Mendieta: Silhueta em Fogo | terra abrecaminhos, no Sesc Pompeia (SP) – nunca tinha ouvido falar dela. Eram telas com registros de suas performances, gravadas em Super 8, a maioria envolvendo o corpo nu da artista junto de elementos naturais. Um trio de telas dispostas próximas me chamou a atenção: na primeira, sua silhueta marcada na terra queimava em altas labaredas; na outra, ela aparecia deitada sob um monte de pedras enquanto pulsava, acelerando aos poucos, pedras sendo expulsas revelando partes da pele; a terceira mostrava o corpo dela de bruços levemente inclinado, imóvel e sereno, em um riacho que corria.
Ana Mendieta (1948-1985) nasceu em Cuba e foi levada para o sem gracíssimo estado de Iowa, nos EUA, em uma operação antirregime, no começo da adolescência, exilada por vontade da própria família. Estudou na universidade local e começou a produzir cedo, principalmente depois que passou uma temporada no México, onde entrou em contato com cosmopercepções de povos originários. Ela descrevia seu trabalho como arte de “terra-corpo” e fez performances que acabaram por se mostrar pioneiras na investigação da poética relativa a ecologia, feminilidade, ancestralidade. Na meia-luz, entre as paredes industriais do Sesc, os vídeos me botaram numa espiral da vida que queima, amorna, assopra, deságua e depois queima de novo.
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Por uma conjuntura do destino eu me preparo para mudar de cidade enquanto minha mãe se prepara para fazer o mesmo, só que para outra cidade, o que nos deixará daqui a alguns meses a 1.300 km de distância. No sábado à tarde, atendi ao pedido de comparecer à casa em que passei a maior parte da vida para escavar meus restos depositados em armário e estantes, o fundo do tacho do que não foi jogado fora e nem selecionado para ser levado nas minhas subsequentes mudanças na última década, itens relegados a um limbo doméstico, deixados por apego e/ou negligência.
No fim, acionei minha dupla ascendente & Lua em Virgem e matei a tarefa em algumas horas. Entre os livros, rapidamente entrevi o que ainda podia me interessar, desistindo de salvar títulos infanto-juvenis queridos para minha prole futura, ideia que já alimentei em algum momento – sei lá o que vai fazer sentido ler daqui a alguns anos, os tempos são outros. Segui por caixas de cartões, desenhos, folhetos, ingressos, boletins, gibis, coleções. Juntei um saco assustadoramente grande de lembranças de primeira comunhão, convites de festinhas, cartas de ex-namorados e xeroxes de faculdade. Preservei em uma caixa um caderno de receitas que era da minha avó, algumas das minhas primeiras matérias publicadas em papel e uma redação que escrevi aos 7 anos com a história de uma menina que encolhe, entra na fechadura de uma porta e interage com cupins mutantes, até que eles tentam devorá-la e ela escapa por pouco.
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Tenho pouca afinidade com os números e demorei para fazer as contas: 1985 - 1948... A exposição não falava nada sobre a morte dela. Dei um Google e descobri que Ana Mendieta caiu do 34° andar do prédio em que morava em Nova York, aos 37 anos. Estava em um momento profícuo da carreira, tinha se unido a uma galeria de mulheres em Nova York, passado uma temporada na Europa, começado a criar obras palpáveis, para além das performances, andava otimista, falava de cultivar uma vida longa e de saboreá-la bem. Por essas e outras não se acredita que tenha sido suicídio, mas que a morte tenha sido resultado de uma briga bêbada com o marido Carl Andre, também artista, que estava com ela no quarto. Ele chegou a ser preso, mas não havia evidências suficientes para incriminá-lo. Uma parte das pessoas que convivia com eles não acha que ele a tenha empurrado, mas algumas amigas dela questionaram o modo como o julgamento fora conduzido, segundo essa matéria do Guardian. Diz-se que o baque do corpo no teto da mercearia que havia no térreo foi tão forte que deixou uma marca no concreto.
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Desalojei de álbuns, saquinhos e gavetas fotos de tempos em que se revelava fotos, o que na minha cronologia se deu até o início da faculdade. Tenho refletido sobre o exagero de registros que fazemos hoje e julguei aquela montoeira de imagens físicas totalmente excessiva. Separei algumas e empurrei o resto para descartar até que em uma breve pesquisa descobri que papel fotográfico não pode ser reciclado, já que o processo de revelação envolve substâncias químicas, e que pode contaminar água e solo se jogado no lixo comum. A recomendação online era procurar museus e colecionadores ou dar alguma reutilização criativa para as fotos, o que eu achei improvável para a minha pilha de horizonte torto e foco ruim de passeios da escola. Achei trágico que a gente tenha chegado em um lugar como humanidade em que até o modo com decidimos registrar nossa existência tenha um impacto horroroso no planeta, seja pela geração de lixo tóxico seja pela enorme quantidade de energia usada para guardar fotos digitais em nuvens, o que libera 355.000 toneladas de CO2 na atmosfera por ano.
Aliás, entre umas pastas encontrei um recorte com o título “A Terra está mais quente”. Aparentemente foi tirado de um Almanacão da Turma da Mônica de 1998. Meu eu de 8 anos quis guardar uma notinha com a imagem de um planeta de olhos atordoados e um texto explicando didaticamente o aquecimento global, dizendo como o século 20 tinha sido o mais quente de todos e como havia a preocupação de que a temperatura aumentasse 1,5 °C até 2050 – no último IPCC, de março deste ano, essa previsão caiu para 2030.
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Queria deixar um agradecimento à leitora Andressa, que me recomendou a série How to with John Wilson (disponível na HBO), uma das melhores coisas que assisti esse ano. Não tem nada parecido com essa espécie de série documental, de um cara faz imagens do cotidiano de Nova York e as amarra em um fio narrativo entre temas mais ou menos aleatórios, mais ou menos relevantes, que sempre terminam em lugares inesperados, entre uma fauna humana variadíssima cujas histórias ele intercala com acontecimentos da própria vida, o que resulta em uma coisa meio cômica, meio absurda, sempre com um fundinho existencial. Difícil de explicar.
No sábado à noite, assisti ao último episódio da terceira temporada, que passeou por encomendas roubadas, uma leitura de tarô e o som do maior órgão de tubos dos EUA, acabando no aniversário de 50 anos de uma empresa que ganha dinheiro preservando cadáveres de pessoas que querem ter seu corpo congelado para o caso de, no futuro, a ciência descobrir como ressuscitá-lo. Os motivos de quem ele entrevistou variavam entre a ansiedade por um futuro melhor do que o hoje, o prazer de alimentar uma fantasia de ficção científica e a total negação da morte como conceito e fato.
Quem sou eu para julgar mas não pude evitar certa aflição, muito por ver ali uma total desconexão com a natureza da vida, com a efemeridade do corpo, que, mesmo que morra no concreto, volta inevitavelmente para a terra.
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Os eclipses nunca vêm sozinhos, mas em temporadas. O próximo é lunar, totalmente penumbral, no eixo Touro – Escorpião, e acontece no próximo sábado, dia 28, prometendo rebuliços.
20 minutos de yoga de manhã, minha religião.
Que lindo foi estar no show da turnê de 11 anos da Perotá Chingó em São Paulo. Um gostinho pra quem não conhece.
A terrível morte das abelhas e os agrotóxicos, no podcast da Folha.
Obcecada em fazer omelete francês desde que vi na série The Bear.
Greg News tá com uma temporada afiada, muito bom esse episódio sobre luxo.
“Indique um livro que você já deu e que acredita que todos deveriam ler”.
Sonhos, transes e mirações, pela Carola Saavedra, na Quatro cinco um.
até mais,
Adorei a dica da série, já comecei a ver o primeiro ep e já curti!
ah, que demais! que bom que você gosto da série, é realmente ótima e muito difícil de explicar!