Eu ando meio pistola com as telas. Principalmente com o celular.
É um incômodo que vem de observar os outros o sacarem obsessivamente (a média é 200 vezes por dia para uma pessoa, pelo que li), dos meus pais a amigos e desconhecidos no busão. E, claro, de perceber a minha relação com ele, do tanto que eu sinto minha cuca fritar e meu tempo se esvair cada vez que me perco ali (outro dia peguei para ouvir música e, quando vi, tava num vídeo “casemiro reage a casa de viih tube”). Você sabe do que eu estou falando.
Não pretendo renunciar a tecnologia ou voltar a usar um nokia tijolão. Acho que o ~smartphone tem ferramentas valiosíssimas que podem trazer praticidade, informação, comunicação. Que podem expandir mundos e aproximar pessoas e ideias.
Porém, como explica essa matéria “smartphone é o novo cigarro”, gigantes da tecnologia usam estratégias diversas para transformar o celular na ferramenta mais viciante que já existiu.
“Estamos colocando toda a humanidade no maior experimento psicológico já feito, sem nenhum controle”, disse um programador do Vale do Silício entrevistado. “Só Deus sabe o que estamos fazendo com o cérebro das crianças”, disse um fulano do Facebook.
Esse vício vem com um preço alto. Um monte de pesquisas já mostram como, por exemplo, o uso constante de redes sociais nos deixa mais infelizes de maneira geral. O celular nos tira a presença da vida concreta, nos afasta de nós mesmos, prejudica a escuta nas relações. Nos coloca mais ainda dentro da lógica da performance e da produtividade e nos aliena de outras necessidades do corpo e da alma, nossas e da comunidade ao redor. Nos alimenta o estresse e a sensação de urgência, afeta o sono. Nos deixa mais longe da natureza e da crueza da experiência humana.
Vivemos a "economia da atenção": ela é disputada aos tapas por esse pessoal da tecnologia. Só que excesso de estímulos corrói a capacidade humana de prestar atenção. Quando a gente preenche cada minuto que poderia ser de tédio, espera ou contemplação (na fila, no carro, andando com o cachorro, quando alguém está falando em uma reunião) com estímulos, o cérebro fica viciado nisso. E aí se torna cada vez mais difícil se concentrar em outras coisas. Ficamos mais ansiosos, mais impacientes, mais dispersos, mais distantes.
Para que o celular não nos engula, então, me parece que precisa ser usado com muita, muita consciência.
Talvez possa ser interessante fazer uma investigação de uso. Se perguntar: quantas horas você passa no celular, fazendo o quê e em que momentos do dia? O que isso tem te trazido de bom e de ruim? Como isso tem afetado a relação com você mesma e com os outros? Que minúsculo movimento você consegue fazer dentro da sua realidade atual para se desvencilhar um pouco dele?
Algumas ideias para isso:
- desligar notificações, sempre, sempre, sempre
- tirar o celular do seu campo de visão, tipo deixá-lo na gaveta ou na bolsa, o que ajuda a resistir
- deletar apps de algumas redes sociais (se você gosta de Twitter, por exemplo, deixe pra ver só no computador)
- comprar um despertador e desligar o celular depois das 21h
- só pegar o celular depois de tomar café da manhã
- se desafiar a não encostar no celular em um encontro com amigos, deixando-o na bolsa
- desligar o celular por algumas horas aos sábados e domingos
- deixar o celular longe quando assistir a um filme ou série e não olhá-lo no meio da coisa
- não levar o celular para o banheiro (!!!)
- fazer pausas durante o dia sem celular, deixando-o longe na hora do almoço, por exemplo
- se propor pequenos desafios, tipo escolher uma coisa para ler durante determinado período de tempo sem pegar no celular
- sair para caminhar na rua ou no parque sem o celular e brincar de narrar mentalmente as coisas que você está vendo
- encontrar hobbies que te permitam ficar sem celular (sei lá, crochê, pintura, tocar um instrumento)
Nesses tempos, cada vezinha que der para resistir ao impulso de pegar o celular já é uma conquista.
“Essa superabundância imagética (…), um dilúvio de imagens pré-fabricadas que inundam a humanidade (…) faz com que em nossa memória se depositem, por estratos sucessivos, mil estilhaços de imagens, semelhantes a um depósito de lixo, onde é cada vez menos provável que uma delas adquira relevo.”
Italo Calvino falando sobre a televisão, mas podia ser sobre o celular
- Acho que foi num dos livrinhos do Austin Kleon, que são ótimos, aliás, que eu vi essa dica: sempre que receber um feedback positivo sobre algo que você criou e é importante para você (no seu trabalho remunerado ou não), guarde em um arquivo (copie e cole ou escreva, se for algo que você ouviu). Tipo, cada vez que eu recebo um comentário legal sobre essa newsletter, eu copio e coloco num word. Isso serve para quando desanimar ou bater a síndrome de impostora, poder ler e receber um gás de autoconfiança.
- Os cinco ritos tibetanos são uma boa rotina de “meditação-exercício” para fazer de manhã para quem carece de tempo.
- O Instituto Adus, que faz um trabalho importantíssimo com refugiados no Brasil - tipo dar aula de português e capacitação profissional - está precisando de novos doadores. Veja aqui.
- Gostei muito desse episódio do Mamilos, que está voltando a ser o podcast que eu mais ouço, sobre relações de amizade. Quem se isolou foi convidado a pensar sobre isso na pandemia.
- Excelente essa entrevista com um antropólogo que estudou a população evangélica, que já compõe um terço do Brasil, explicando as complexidade dessas pessoas e derrubando preconceitos.
- Indicado ao Oscar desse ano, o filme Coda – No Ritmo do Coração (na Amazon Prime) é fofo e leve, bom para esses dias. É, na verdade, um remake americano do francês A Família Bélier (na Globoplay), que eu vi há um tempo. A história fala de uma menina adolescente cujo pai, mãe e irmão são surdos e ela, veja você, quer ser cantora.
- Eu li recentemente “A exaustão no topo da montanha: Uma jornada de reconexão com outros ritmos da vida e com o que é essencial”, do psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, uma pessoa muito lúcida. É sobre a cultura da produtividade, o cansaço generalizado e a necessidade de reencontrar o prazer e o bem-estar, sem a encheção de linguiça comum em livros do tipo, com uma vibe poética e reflexões fora do lugar-comum. Vale demais.
- Outro arquivo que estou fazendo: receitas rápidas que salvam o almoço. Essa fritata de madioquinha da Ritinha é boa demais (eu fiz tudo na frigideira, só virar com um prato no fim). Acompanhe com salada 🥗