oie, que legal tanta gente nova por aqui, sejam bem-vindos. Essa é uma newsletter mais ou menos quinzenal escrita por mim, Betina. Minha penúltima publicação virou post do The Summer Hunter, superfeliz. Espero que gostem do texto dessa semana.
Quando criança a natureza a qual eu tinha acesso era bastante controlada, o que é obviamente melhor do que nenhuma natureza, mas era assim, uma natureza restrita a canteiros e praças muito bem jardinados, cenográficos, quase. Um dos locais que eu costumava frequentar era um pista de cooper (ainda se fala cooper?) com caminhos de pedrinhas entre imensos pinheiros – pra mim, na época, um misterioso bosque habitado por fadas e duendes. Eu gostava muito de brincar ali, achava bucólico à beça, catava as pinhas, fazia desenhos no chão com as folhas secas, alimentava minhas próprias ficções, muitas vezes sozinha. Esses pinheiros integram meu pequeno inventário mental de flora da infância, junto com as amoreiras que tinha perto da minha casa, cujas frutinhas manchavam a boca e a roupa quando surgiam na primavera; já cheguei a matar aula pra ficar comendo amora.
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Um belo dia descobri que aqueles e os outros pinheiros que eu via pelos morros quando pegava a estrada com meus pais na verdade não eram para estar ali. Os Pinus taeda e Pinus elliottii foram trazido dos EUA e do Canadá nos anos 1960 e 1970 para o Sul e o Sudeste para a produção de resina, madeira e celulose. As árvores também passaram a ser usadas em ações de reflorestamento por sua rápida disseminação. Aqui em Floripa, a prefeitura chegou a incentivar os pinus para aumentar as áreas verdes e fixar as dunas da ilha, distribuindo mudas para os moradores.
Acontece que os pinheiros têm um comportamento bastante colonizador, formam grandes agrupamentos e não convivem bem as plantas nativas. Suas folhas se acumulam no solo porque os microrganismos daqui tem dificuldade de decompor as fibras estrangeiras e essa cobertura dificulta a germinação de outras espécies. Além disso, cada semente do pinus pode viajar nada menos do que 60 km com o vento, o que faz com que se espalhem muito. Resultado: eles têm um efeito catastrófico na Mata Atlântica e na vegetação de restinga, aquela da beirada da praia. Nos anos 2000, começaram ações de controle em Floripa, e, em 2012, um decreto municipal passou a proibir o plantio. Agora tem vários mutirões para cortar os pinheiros.
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Desde então, entrei em uma pira de aprender sobre espécies invasoras, e sempre me sinto meio traída – um pouco como quando descobri que foi a Nestlé que inventou o brigadeiro. Aqueles pinheiros que eu achava tão inofensivos são parte do enorme problema que é a translocação de plantas e bichos que acontece por interesse comercial, tráfico ou transporte involuntário e causa alterações danosas mundo afora, como extinções, prejuízos econômicos e até doenças.
Comecei a seguir esse botânico que fala de paisagismo sustentável e cada dia é uma bomba: a jiboia de apartamento está invadindo a Mata Atlântica! A jaqueira, que veio da Índia, tomou a Floresta da Tijuca! O ipê rosa plantado em muitas cidades brasileiras é estrangeiro! E sim, a amoreira, também: veio da China no século 19 para a criação do bicho-da-seda e é considerada uma invasora de risco moderado.
Nem toda espécie exótica é invasora, aprendi, porque algumas chegam, ficam e não causam grandes males. Para serem consideradas invasoras, precisam se espalhar por determinada área sem controle, competir com espécies nativas e reduzir de alguma forma a diversidade local, entre outros desequilíbrios (isso também acontece entre regiões do Brasil, como no caso do sagui-de-tufos-pretos).
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A história recente é cheia de trapalhadas biológicas causadas pela nossa maniazinha de se achar no direito de tirar as coisas do lugar sem considerar as consequências. Uma das mais interessantes que rolou no Brasil (a Radio Novelo Apresenta tem um episódio bom sobre) é a das abelhas africanas, trazidas nos anos 1950 por um geneticista que queria estudá-las para a produção de mel. Eis que um belo dia alguém abriu a portinha do local onde elas estavam e deixou que escapassem. Conhecidas pelo comportamento agressivo e migratório, elas se espalharam pela América toda, chegando até os EUA, causando alguns estragos.
Tem também o caso dos caramujos gigantes trazidos sem autorização nos anos 1980 para serem criados como escargot. O negócio não deu certo e eles acabaram sendo descartados, mas se adaptaram bem, se reproduziram e já foram registrados em quase todos os estados brasileiros. Os bichos empesteiam casas e praças, devoram hortas e plantações e transmitem doenças tipo meningite (esse eu também já presenciei: na casa do meu avô no litoral de SP tinha uma época que a gente passava a tarde de luva catando caramujo gigante do jardim).
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Outro dia fui conhecer Moçambique, um praião de 8 km que fica no leste de Floripa. Ali tem uma paisagem inusitada: milhares de pinheiros junto da areia, um bosque temperado em uma praia tropical. O efeito visual tem sua beleza, claro, assim como minhas memórias com os pinus e as amoreiras continuam ternas. Sei inclusive que se atribui certo misticismo ao lugar, assim como eu fazia com a pista de cooper.
Essa área foi alvo do plantio sistemático de pinheiros no passado, e tem gente penando há anos para tentar criar um plano de manejo e restaurar a vegetação original.
Enquanto caminhava, pensei que eu também sou exótica aqui, assim como quase 50% da população da ilha, e que espero não me comportar como invasora. Pensei também em quantos âmbitos da vida a gente tem sido confrontado com um volume insalubre de verdades que permaneceram ocultas para a maioria das pessoas durante décadas (foi a Nestlé inventou o brigadeiro, sabe). E pensei ainda que eu poderia me juntar aos mutirões de retirada de pinus, mas acho que me daria pena cortar uma senhora árvore daquelas.
📺 A série Pachinko (na Apple TV+) tem me entretido com uma saga familiar multigeracional passada na Coreia, no Japão e nos EUA.
👽 Pirei com as histórias de encontros com ETs no podcast Não Inviabilize.
📖 Tá no cinema um filme do Almodóvar que foi baseado em O que você está enfrentando, da Sigrid Nunez. O filme é fraco, mas me fez lembrar que gostei muito do livro no ano passado (tá rolando feira do livro da USP online com megadescontos, aliás, é só entrar no site das editoras participantes).
🥗 Tenho colorido minhas saladas com ceviche de manga (nem precisa de leite de coco, só limão, cebola roxa e azeite).
📰 Newsletter ótima que conheci essa semana: a .
🎨 Que belas as flores e cores da artista Irene Guerriero.






Até mais,
Tenho aprendido muito com o Botânico Ricardo Cardin, comprei o livro dele e quero plantar mais o que alimente o ambiente, tenha outra função alem da estética.